Censura é uma lata na boca

Por Livio Tragtenberg, 28/Abril/2005

O recente episódio envolvendo certas “recomendações” contratuais que vetavam o uso de certos tipos de imagens pelos VJs num grande festival de música eletrônica em São Paulo expõe a situação real da atividade artística em nossos tempos. 

 

Finalmente, chegamos à “música eletrônica de pista no mundo da Xuxa” Não pode ter imagem de drogas, violência, política, mas é para a rapaziada encher a cara…

De uma forma geral, os criadores são reféns (uns mais felizes do que os outros) dos marqueteiros e de suas estratégias publicitárias. O Estado continua ausente da promoção cultural na sociedade, porque lhe falta projeto e estratégias. A lei de incentivo transformou o artista num “mal necessário” nos planos de marketing. E de que artista estamos falando? Que cada vez se aliena mais, num ambiente de pose e de escapismo.

E, me desculpe a rapaziada, a música eletrônica, que surgiu como curtição de uma tribo urbana em busca de novas formulações e veiculação para o fazer musical e que criou resultados inovadores noutros tempos, caiu na vida e já tem suas festas de peão.

Será que esse é o destino único da criação artística nos dias de hoje? Linha auxiliar de campanha de vendas? Se assim, então pelo menos vamos falar claro.

Estive neste mês na Winter Music Conference, em Miami (EUA). Lá, DJs e assemelhados assumiam alegremente o papel de garotos-propaganda de celulares, gadgets e outros equipamentos periféricos, que são a razão de ser da cena eletrônica de pista nos EUA. Como numa convenção de vendas, DJs faziam demonstrações de equipamentos, produtores negociavam pelos corredores de hotéis, onde a grande excitação girava em torno de qual tecnologia vai dominar os novos suportes.

Nesse ambiente, é natural que uma empresa, na hora de promover seu produto, queira relacioná-lo a comportamentos, sons e imagens que lhe interessam.

Cabe, sim,à rapaziada ficar esperta e perceber que está dançando conforme as escolhas musicais desses marqueteiros em seus refrigerados escritórios e que eles não têm nenhum compromisso com música. Trata-se de negócio.

Mas será que a rapaziada está preocupada em ser, uma vez mais, massa manipulada de um consumismo cada vez mais sacana? Sacana porque inventa comportamentos, símbolos, sons que, através de massiva propaganda, faz crer à moçada que esses são os seus valores e modos de vida.

Quanto situação dos VJs, é censura travestida de linguajar “politicamente correto” e legalista resta constatar que precisam ser criados espaços sociais para que se veicule realmente música, vídeo etc. E que esses megafestivais de celular, cerveja e outros usam sons e imagens apenas como iscas de uma juventude incauta. Que acha que se manifesta “com uma lata na boca”, slogan que é uma versão repaginada daquele antigo “liberdade é uma calça velha de jeans”. De slogan em slogan desafiamos nossa indigência cultural.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo

One Comment

  1. a censura sempre foi um mal ao crescimento da sociedade como um todo. ela sempre teve cunho político, recheada de interesses. o que fazer? procurar sempre usar o pouco desta nossa falsa democracia e tentar esclarecer o máximo a todos.
    abs, bV!

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