Interações moleculares - Notas de aula

Contribuições não-ligantes

As interações entre diferentes moléculas ($\mathcal{V}_\text{nl}$) de um conjunto ou sistema molecular contém tipicamente contribuições de energia potencial eletrostática $\mathcal{V}_\text{elet}$, de indução de polarização $\mathcal{V}_\text{pol}$ e de van der Waals $\mathcal{V}_\text{vdW}$:
$$\mathcal{V}_\text{nl} = \mathcal{V}_\text{elet} + \mathcal{V}_\text{pol} + \mathcal{V}_\text{vdW}$$
Veremos abaixo como cada uma destas contribuições pode ser descrita por equações simples e o efeito da manipulação dos parâmetros destas equações.
Ilustraremos os conceitos com o complexo entre um cátion de sódio (Na$^+$) e uma molécula de água. A geometria interna da água (distâncias das ligações O$-$H e ângulo H$-$O$-$H) e sua orientação relativa ao cátion estão congeladas, conforme mostrado abaixo, e apenas a distância $R_{NaO}$ entre as duas espécies pode variar:

Eletrostática

A distribuição de carga em uma molécula pode ser representada por cargas pontuais condensadas no centro dos seus átomos. Neste caso, a energia eletrostática de um conjunto de moléculas é dada pela soma das interações entre pares de cargas parciais $q_i$ e $q_j$:
$$\mathcal{V}_\text{elet} = \frac{1}{4\pi\varepsilon_0}\sum_{i<j} \frac{q_i \, q_j}{R_{ij}}$$
onde a constante $\varepsilon_0$ é a permissividade dielétrica do vácuo. A somatória corre sobre todos átomos $i$ e $j$ com distância $R_{ij}$ que se localizam em moléculas ou espécies separadas.
Veja abaixo a curva de potencial eletrostático para o complexo H$_2$O $\cdot\cdot\cdot$ Na$^+$. A carga do íon é $q_{Na}=+1$ e a soma das cargas parciais na molécula de água deve ser zero (sua carga total), ou seja, $q_O = -2 q_H$. Antes encontramos que $q_H=0.33$ é compatível ao dipolo experimental da molécula de água, mas o controle vertical ao lado do gráfico permite alterar o valor desta carga parcial e, portanto, a distribuição de carga na molécula de água:
A interação entre cargas com o mesmo sinal é repulsiva (ou desestabilizante) e a interação entre cargas opostas é atrativa (ou estabilizante). Neste exemplo, a somatória possui três termos. Como a geometria do complexo permite maior aproximação das cargas opostas $\left(R_{NaO} < R_{NaH}\right)$, o termo atrativo prevalece e a interação eletrostática total é estabilizante.
Note que a interação eletrostática é de longo alcance, pois seu decaimento é "lento" (com a distância $R^{-1}$). No exemplo acima, a energia desta interação é maior que 10 kJ/mol para $q_H=0.33$ mesmo em distâncias longas como $R_{NaO}> 8 Å$!
Pergunta: No exemplo acima, a interação eletrostática aumenta (em módulo) conforme $R_{NaO}$ diminui. Assim, o que impede a sobreposição das espécies Na$^+$ e H$_2$O? (Dica: Veja abaixo).

Indução de polarização

Quando um conjunto de moléculas interage, a densidade eletrônica de cada uma será polarizada em resposta ao campo elétrico gerado pela distribuição de cargas das outras moléculas. Esta resposta produz um dipolo em cada molécula que também gera campo elétrico e induz uma polarização adicional na sua vizinhança. Assim, o dipolo induzido $\vec{\mu}_{ind}$ em cada molécula resulta da sua interação com o conjunto de cargas parciais e dipolos induzidos, caracterizando uma interação de muitos-corpos.
Portanto, a energia de indução de polarização não pode ser decomposta numa soma da interação de pares de átomos, ao contrário das interações eletrostáticas e de van der Waals. Para simplificar a descrição, aqui vamos descartar a dependência entre muitos-corpos, e computar a polarização induzida independentemente por cada carga parcial. Assim, temos a expressão:
$$\mathcal{V}_\text{pol} = -\frac{1}{8\pi\varepsilon_0} \sum_{i, j \neq i} \frac{q_i^2 \alpha_j}{R_{ij}^4}$$
onde a restrição $j\neq i$ evita "auto-interação", e $\alpha$ é a polarizabilidade mencionada nas notas anteriores.
Veja abaixo a curva de potencial de polarização para o mesmo complexo H$_2$O $\cdot\cdot\cdot$ Na$^+$. Dado maior volume do oxigênio, assumimos que este centro concentra toda polarizabilidade da molécula de água. O controle de $q_H$ altera a distribuição de carga na molécula de água, e os controles horizontais alteram a polarizabilidade das espécies, com os valores experimentais dados inicialmente (traços vermelhos):
Nesta aproximação, a energia de polarização é sempre estabilizante já que cada carga parcial induzirá uma resposta de polarização complementar ao seu valor. Este comportamento independente é artificial e ocorre porque descartamos a interação entre muitos-corpos.
Mesmo assim, podemos observar corretamente que a energia de polarização tem um alcance médio, graças ao decaimento das interações com a distância $R^{-4}$. Também notamos que a contribuição de polarização da molécula de água é maior, já que sua nuvem eletrônica é muito mais mole que a nuvem do cátion Na$^+$ ($\alpha_{H_2O} \gg \alpha_{Na^+}$).

Interações de van der Waals

Dois tipos de interações surgem quando moléculas se aproximam, independentemente de suas distribuições de carga. A correlação da movimentação de seus elétrons gera dipolos instantâneos $\vec{\mu}_{inst}$ cuja interação corresponde à energia dispersiva $\mathcal{V}_{\text{disp}}$ (ou interação de London). Os elétrons também irão se repelir e impedir a sobreposição das moléculas, o que gera a energia repulsiva $\mathcal{V}_{\text{rep}}$.
Estas contribuições são combinadas na interação de van der Waals $\mathcal{V}_{\text{vdW}} = \mathcal{V}_{\text{rep}} + \mathcal{V}_{\text{disp}}$, usualmente descrita por uma soma da interação entre os pares de centros atômicos $i$ e $j$ localizados em moléculas ou espécies separadas:
$$\mathcal{V}_{\text{vdW}} = \sum_{i<j} \frac{A_{ij}}{R_{ij}^{12}} - \frac{B_{ij}}{R_{ij}^6}$$
onde o primeiro termo corresponde à $\mathcal{V}_{\text{rep}}$ e é sempre positivo ou desestabilizante. O segundo termo corresponde à $\mathcal{V}_{\text{disp}}$ e é sempre negativo ou estabilizante. As constantes $A_{ij}$ e $B_{ij}$ para os pares de centros $i$ e $j$ são dadas por:
$$ \begin{align*} A_{ij} = \epsilon_{ij}\sigma_{ij}^{12} \; \; \; &\text{ e } \; \; \; B_{ij} = 2\epsilon_{ij}\sigma_{ij}^6 \\ \text{com} \; \; \; \epsilon_{ij}=\left(\epsilon_{i}\epsilon_{j}\right)^{1/2} \; \; \; &\text{ e } \; \; \; \sigma_{ij}=\left(\frac{\sigma_{i}+\sigma_{j}}{2}\right) \end{align*} $$
onde o parâmetro $\epsilon_{i}$ corresponde à energia do fundo do poço para o átomo $i$, e $\sigma_{i}$ à posição deste fundo do poço. Veja abaixo a curva do potencial de van der Waals para o complexo H$_2$O $\cdot\cdot\cdot$ Na$^+$. Para simplificar a descrição, descartamos a interação mais fraca com os átomos de hidrogênio da água (ou seja, assumimos $\epsilon_H = 0$). Altere os controles para $\epsilon$ e $\sigma$ de cada átomo e veja como cada contribuição e o potencial total se comportam. Os valores dados inicialmente (traços vermelhos) correspondem àqueles usados no campo de força Charmm36:
Percebemos o curto alcance destas interações cujo decaimento acontece com $R^{-6}$ para parte dispersiva e é ainda mais rápido para parte repulsiva, com $R^{-12}$.
Para este exemplo de complexo molecular e com os parâmetros iniciais, também notamos que $\mathcal{V}_{disp}$ é bem menor que as outras contribuições para $\mathcal{V}_{nl}$. Veja que a escala de energia neste gráfico é quase duas ordens de magnitude menor. No entanto, a contribuição relativa de $\mathcal{V}_{disp}$ será maior para interação entre moléculas neutras ou apolares.

Combinação dos termos não-ligantes

Finalmente, combinamos todas contribuições para a energia potencial não-ligante $\mathcal{V}_{nl}$ do complexo H$_2$O $\cdot\cdot\cdot$ Na$^+$. As bolinhas pretas mostram a energia calculada por mecânica quântica que representa um valor de referência para energia total. Altere quais interações são incluídas e os respectivos controles de parâmetros para avaliar sua contribuição para energia calculada:
Com os parâmetros iniciais, notamos que a contribuição $\mathcal{V}_{rep}$ é dominante em $R_{NaO} < 1.7 Å$. A repulsão entre os elétrons deve ser grande nestas distâncias para evitar a sobreposição das espécies. Em distâncias $R_{NaO} > 2.0 Å$, temos que $\mathcal{V}_{elet} > \mathcal{V}_{pol} \gg \mathcal{V}_{disp}$, pois as interações entre as distribuições de carga instrínseca e induzida prevalecem para um complexo entre moléculas polares e carregadas.
No entanto, percebemos que a combinação em $\mathcal{V}_{nl}$ de todas interações com seus parâmetros iniciais não reproduz a referência quanto-mecânica. Isto ocorre principalmente porque os parâmetros dados para interação $\mathcal{V}_{vdW}$ não foram ajustados em combinação com a interação de polarização $\mathcal{V}_{pol}$ explícita. Podemos conseguir um melhor acordo com a referência se mantivermos a distribuição de carga na água ($q_H$) e as polarizabilidades experimentais, e ajustarmos $A_{NaO}$ para $\sim 3 \times 10^{5}$ e $B_{NaO}$ para $\sim 900$.
Outra alternativa para aproximar o potencial $\mathcal{V}_{nl}$ da referência é manter os parâmetros iniciais da interação de van der Waals e desligar a contribuição de polarização. Neste caso, devemos também alterar a distribuição de carga e aumentar a polarização da molécula de água para $q_H = 0.41$. Ou seja, estamos aumentando a polarização da molécula de água artificialmente para compensar a exclusão do termo $\mathcal{V}_{pol}$.
Concluímos aqui as notas sobre interações moleculares descritas segundo a teoria de forças intermoleculares. As expressões simplificadas apresentadas aqui são suficientes para reproduzir diversas propriedades moleculares experimentais ou calculadas por referências quanto-mecânicas quando os parâmetros das expressões são ajustados. Este é o procedimento frequentemente adotado para descrição das interações entre biomoléculas.
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